segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Poema De Alexandre O'Neil

" Há palavras que nos beijam"






Há palavras que nos beijam

Como se tivessem boca,

Palavras de amor, de esperança,

De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas

Quando a noite perde o rosto,

Palavras que se recusam

Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas

Entre palavras sem cor,

Esperadas, inesperadas

Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama

Letra a letra revelado

No mármore distraído,

No papel abandonado)

Palavras que nos transportam

Aonde a noite é mais forte,

Ao silêncio dos amantes

Abraçados contra a morte.

De Alexandre O'Neil






Alexandre O’Neill






Alexandre O'Neill nasceu no dia 19 de Dezembro de 1924 na cidade de Lisboa. Filho do bancário António Pereira de Eça O'Neill de Bulhões e de Maria da Glória Vahia de Castro O'Neill de Bulhões, dona de casa, Alexandre, depois de concluir os estudos do Liceu, entra na Escola Náutica de Lisboa. Em 1944, após concluir o 1º ano, requereu, junto à capitania de Lisboa, a cédula marítima, que lhe permitira exercer a função de piloto. O pedido foi-lhe negado por causa da sua miopia.
A postura de desdém irónico perante a instituição literária não é senão a outra face da moeda de uma escrita poética fundamentada na recusa de qualquer misticismo, das palavras ou no fazer “bonito”. As palavras são “animais doentes”:
a consciência trágica do desgaste da linguagem, do peso que o tempo veio acumulando sobre as palavras, transforma-a, O’Neill ironicamente em jogo – tudo é reconstruído, parodiado e reaproveitado: calão, idiotismos, entoações.
A representação exemplar do peso histórico da linguagem é, sem dúvida, o lugar-comum – a sua fonte predilecta de desconstrução. Neste sentido, é uma poesia do quotidiano,
Estas palavras que foram ditas pelo autor na abertura do disco gravado em 1972, que acompanhava a edição do livro de poemas Entre a Cortina e a Vidraça, definem bem a atitude literária de Alexandre O’Neill – um poeta que rejeitava palavras como carreira, ou poses de “empolamento” características do meio literário, “certa importância sumamente ridícula” de muitos escritores.
.…Sou parecidíssimo com a minha poesia. Mesmo no dia-a-dia, no próprio trabalho. Entre a minha expressão coloquial e a minha expressão poética não há distância. A diferença será de intensidade, ou ao que se pode chamar intensidade.” O que O’Neill não revela, nesta entrevista ao jornal A Capital (2/5/1968), é qual das duas considera mais intensa: se a poesia, se a vida.
Mas a doença começava a atormentá-lo. Em 1976, sofre um ataque cardíaco, que o poeta admitiu dever-se à vida desregrada que sempre tinha tido, e que, apesar de algum esforço em contrário, continuou a ter. No início dos anos 80, já divorciado de Teresa Gouveia, repartia o seu tempo entre a casa da Rua da Escola Politécnica e a vila de Constância, frequentemente com Laurinda Bom, sua companhia mais constante nos últimos anos. Em 1984, sofreu um acidente vascular cerebral, antecipatório daquele que, em Abril de 1986, o levaria ao internamento prolongado no hospital. Morreu em Lisboa a 21 de Agosto desse ano.